Programa Carta da Terra em Ação


Na quarta-feira, 23 de novembro de 2016, o Programa Carta da Terra em Ação em parceria com a Associação Cidade Escola Aprendiz realizou o IV Seminário Educação Ambiental semeando a Cidade Educadora trazendo para a reflexão a participação social como ferramenta articuladora das transformações urbanas.

Para esse debate, convidamos Xixo Piragino, Diretor da Escola de Governo, e Bruno Gomes diretor de projetos da Agenda Pública para trazerem a reflexão sobre a institucionalização da participação social e sobre o engajamento coletivo, ambos formas de contribuição ativa da sociedade na definição de políticas públicas. Como exemplos de práticas de cidadania, chamamos três movimentos de engajamento social que relataram algumas experiências de diferentes modos e graus de participação. Tatiana Montório, mestre em Políticas Públicas pela UFABC, trouxe uma reflexão sobre o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CADES); Mariana Belmont, articuladora da Zona Sul de São Paulo, trouxe a interlocução contra o isolamento de comunidades; e Regina Bortotto, do Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus, contou a história de luta dessa comunidade frente às questões urbanas urgentes deste território.

"Cabem, pelo menos, duas perguntas em um país onde a figura do cidadão é tão esquecida. Quantos habitantes, no Brasil, são cidadãos? Quantos nem sequer sabem que não o são?"- SANTOS, Milton

A inquietação de Milton Santos se engendra por outras questões, mas dentre elas há uma certeza: "a cidadania, sem dúvida, se aprende". Na fala de Xixo Piragino, uma das mudanças necessárias para se tornar cidadão é mudar a "mentalidade de consumidor", característica da sociedade capitalista. "Nesse regime, a sustentabilidade e a democracia estão à serviço dos interesses do capital".

Xixo Piragino e Bruno Gomes no IV Seminário
Devido a esse pensamento de consumidor, segundo Bruno Gomes, houve um deslocamento da sociedade civil e do poder público. O indivíduo não se reconhece como coautor das políticas públicas, mas como um consumidor dessas políticas. "É um olhar desconfiado e ao mesmo tempo exigente em termos de entrega", comenta ele. Essa desconfiança também atinge as instituições de participação em termos de segurança da efetividade desses espaços. Bruno acrescenta que "a crise da democracia participativa vem junto com a crise da democracia representativa porque as pessoas não se sentem mais representadas".

Além da falta de representatividade, o poder público subestima a capacidade de pensar dos cidadãos, como comenta Regina. No Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus, a comunidade com autonomia e coletividade refletiu para o melhoramento de suas condições e nas possibilidades que melhor se adequam a sua realidade. O resultado é que esse movimento participa hoje em conjunto com a Subprefeitura da estruturação do Plano Diretor e seu desdobramento, o Planejamento Estratégico Regional. 

A ocupação das escolas públicas pelos estudantes secundaristas é um outro exemplo de ocupação de espaços públicos, um caminho para o aprofundamento da democracia participativa. Para Bruno, esses movimentos de ocupação se caracterizam pela sua qualidade sensorial. Foi através da experiência que os secundaristas começaram a pensar nas formas de se relacionarem com as instituições. A experiência antecede o discurso. "Os jovens que ocupam a Praça Roosevelt agora estão se engajando politicamente na luta para o não fechamento da Praça".

Bruno acrescentou que, "além de um papel de educação, chamar as pessoas para a política é a arte de facilitar encontros e experiências. Criar o hábito da experiência coletiva talvez seja tão importante quanto a educação."

Regina trouxe uma dimensão histórica da luta da Fábrica de Perus, mostrando a memória e o significado subjetivo que fazem parte do presente dessa luta que além de política é movida por afeto. Mais do que transformar o bairro, que hoje é referencia quando se fala de Cidade Educadora, esse movimento também é um aprendizado individual. Regina conta que estar junto do coletivo resgatou a força de cada um, em uma das reuniões um dos companheiros relembrou a todos que “O importante não é a gente ser valente ou violento de vez em quando, mas firme o tempo todo”.

A vivência de Mariana no Grajaú tem outra perspectiva. "Na periferia, movimento social existe há muito tempo. Pra gente isso é ajudar o vizinho a construir a laje, a sobreviver", conta Mari. Apesar desses movimentos estarem em vários conselhos e instituições de participação social, as decisões sempre vem de cima e a periferia ainda está enraizada na dinâmica interiorana que quem manda é o "capitão do mato". 
Tatiana Montório, Mariana Belmont e Regina Bortotto.

Dentro dos CADES, Tatiana nos conta que "existe uma hierarquia da posse de informações e falta transparência. Precisamos realmente pensar e sair da teoria." Mas para isso é preciso levar em conta que cada território é um, cada qual com suas especificidades, o que é um desafio diante das discussões fragmentadas dos CADES que dificultam uma compreensão ampla de São Paulo. "A cidade precisa descentralizar".

Apesar dessas "esquizofrenias permitidas por Lei", como define Tatiana, ela não descarta a importância do diálogo com o poder público. "É preciso entender o orçamento da Prefeitura e a lógica dessa instituição para encontrar os canais certos para poder formalizar reivindicações. É uma lógica burocrática e nós temos que entrar um pouco dentro dela para conseguirmos algumas coisas.", disse Tatiana.

Apontar possíveis mudanças para essas instituições de participação social não é negar sua importância atual. Bruno Gomes comenta "temos que pensar a relação dos conselhos com os movimentos sociais não para substituí-los, mas para fortalecer, enriquecer e dar mais diversidade para esses espaços institucionais". Mariana complementa dizendo que "é preciso ocupar todos os espaços de discussão e de poder e estar nesses espaços como representantes de nós mesmos".

Esse debate contribuiu para pensarmos a participação social como ferramenta articuladora das transformações urbanas, tanto para a educação ambiental como para a cidade educadora. Olhar a cidade pela sua complexidade é o maior desafio, mas a partir do momento em que conseguimos compreendê-la de forma múltipla e variada torna possível ativar a cidadania para intervenções mais efetivas.